domingo, 24 de outubro de 2010

França: “A rua tem mais poder que os governos”

Neste debate de Olivier Besancenot com os leitores do Le Monde, o porta-voz do NPA recorda que Nicolas Sarkozy dizia que não ia tocar na reforma aos 60 anos, e defende a legitimidade da rua. O debate abaixo foi públicado no dia 22/10/2010 pelo site ESQUERDA.NET.


Debate moderado por Caroline Monnot

Esteban: Bom dia, esta jornada de terça-feira é “a luta final”, não?

Olivier Besancenot, porta-voz do Novo Partido Anticapitalista: Não! É uma etapa suplementar para a greve geral que começa a tomar forma. A partir de terça à noite, haverá a renovação de greves, também novas manifestações, assim como numerosos bloqueios. A questão que se coloca agora é bloquear a economia para bloquear a reforma.

Zbeul: Esta greve é, na sua opinião, uma greve política de descontentamento geral, ou uma greve social centrada unicamente no tema das reformas?

O.B.: O descontentamento supera a questão das reformas, mas, ao mesmo tempo, cristaliza-se no dossier das reformas. Numerosos trabalhadores e jovens não aguentam mais os “dois pesos – duas medidas” do governo e tentam, com efeito, através desta greve sobre as reformas, acertar as contas com o governo de Sarkozy que os faz sofrer há demasiado tempo.

Abdelmallik: Como vê a continuidade da acção sindical se a lei for votada?

O.B.: A lei não é mais que um projecto enquanto não for publicada no diário oficial. E mesmo quando for publicada, a história social do nosso país aí está para nos lembrar que o parlamento – a Assembleia e o Senado – decide, mas a rua pode desfazer a decisão.

Fred: Mesmo com 3 milhões de manifestantes, a rua tem a legitimidade de um parlamento eleito?

O.B.: Hoje a legitimidade está na rua, e a rua tem mais poder que os governos. Foi assim também em 1995, quando do plano Juppé, e também em 2006, quando do Contrato do Primeiro Emprego (CPE).

Por outro lado, as nossas principais conquistas sociais foram primeiro arrancadas pelas lutas e mobilizações dos nossos antepassados. Se os nossos avós não tivessem feito greve em 1936, não gozaríamos hoje das férias pagas.

Odp: Pensa então que o voto da maioria dos cidadãos tem menos valor que os movimentos sociais?

O.B.: E quando votou a maioria dos cidadãos pela reforma aos 67 anos? No Youtube podem ver um Nicolas Sarkozy que explica por que não tocará na reforma aos 60 anos.

Léon: O NPA empurra os estudantes do secundário para saírem à rua?

O.B.: Os estudante do secundário vão lá pelo próprio pé, não precisam de empurrões. Claro que podemos ter militantes do NPA do secundário. Por outro lado, os adultos, os assalariados, os pais de alunos estão muitas vezes presentes na frente das escolas para pedir às forças da ordem que saiam dos estabelecimentos e deixem de fazer provocações. E isso é bom.

Roland: Os actos de violência diante de alguns centros de ensino podem afastar a opinião pública do movimento. Era preciso verdadeiramente associar os estudantes ao movimento?

O.B.: Sim, é preciso associar toda a gente. E a juventude compreende que quando se pede aos mais velhos que trabalhem até mais tarde, terão menos oportunidades de encontrar um lugar no mercado de emprego.

O governo, com as suas repetidas provocações policiais, procura provocar “derrapagens”, de forma a tentar controlar o movimento através do medo.

Emilien 22: Que elementos lhe permitem comparar as manifestações dos últimos dias com o Maio de 68? A possibilidade de ocorrer um movimento do mesmo tipo é possível, ou, inclusive, desejável para a França?

O.B.: Não há modelos exportáveis. Cada luta é particular e encontra as suas próprias leis. Mas penso que um novo Maio de 68 com as cores do século XXI não fariam mal a ninguém, a não ser aos capitalistas e ao governo. Mas isso não é grave...

O Maio de 68, além das barricadas, foi uma greve geral em que milhões de pessoas irromperam na cena social e política. É dessa irrupção que precisamos hoje.

Thibaud: Grevistas que bloqueiam as gasolineiras e as grandes vias de transporte: também é greve impedir activamente os outros de trabalhar? Não é mais próximo da ideia que faz de “activismo revolucionário”?

O.B.: Não vivemos uma revolução (por enquanto). Estamos num processo de generalização das greves, onde a radicalização e a ampliação vão a par. O movimento amplia-se cada vez um pouco mais, e, ao mesmo tempo, as acções radicalizam-se porque o governo empurra a luta para a radicalização.

Marc: O NPA tem um contraprojecto concreto sobre as reformas? Se sim, qual é?

O.B.: O NPA não quer a reelaboração do projecto, mas sim a sua retirada pura e simples. Propomos a reforma aos 60 anos a 100%, e o regresso às 37,5 anualidades para todos. Para financiar este projecto, propomos aumentar a parte da contribuição patronal.

Daqui a 2050, são necessários, segundo o Conselho de Orientação das Reformas, 3% do PIB para financiar o sistema das aposentações. Mas, todos os anos, 17% das riquezas anuais tomam a forma de benefícios apropriados por uma minoria de privilegiados.

É preciso, por isso, partilhar essas riquezas, e também distribuir o tempo de trabalho, trabalhando menos nas empresas, para que todas e todos possam aceder a um emprego.

Victor: Quais são, na tua opinião, os sectores que devem ser taxados de forma prioritária para encontrar fundos necessários para financiar as reformas?

O.B.: Os rendimentos do capital. Por outro lado, a cada ano, perdem-se 32 mil milhões de euros sob a forma de isenções de contribuições sociais para supostamente criar empregos (já se vê com que sucesso!). Estas isenções criam défices.

Georges P.: Não teme as consequências económicas (sobre o emprego, o crescimento, etc.) dos movimentos que organiza e incentiva?

O.B.: As dificuldades económicas actuais não são devidas à greve geral, mas a um sistema que se chama capitalismo, e cuja crise, iniciada há dois anos com o subprime, gangrenou o conjunto das engrenagens da economia.

Assistimos a uma crise de superprodução, no sentido marxista do termo, no conjunto das potências capitalistas. Será preciso inventar um novo modo de produção e de consumo que permita satisfazer as necessidades da Humanidade.

Estudante de Tóquio: Pensa que um referendo seria uma boa solução para eventualmente pôr as coisas no seu lugar?

O.B.: Neste momento preciso da luta, não. Seria uma derivação e um substitutivo institucional para as mobilizações sociais. Se há um meio mais eficaz que uma greve geral por tempo indeterminado para ganhar, é preciso dizer qual, mas não estou a vê-lo. A votação cidadã pôde, no movimento da privatização dos correios, ser um ponto de apoio das lutas. Mas em nenhum caso as pode substituir.

Serena: Os estudante estão bastante mobilizados no momento. Poderiam ter um papel determinante?

O.B.: Nada de pânico, Serena, lá chegaremos! Uma dezena de universidades já estão mobilizadas e, de facto, a contestação estudantil poderia ser um elemento decisivo na extensão do movimento.

Matthieu Recu: Assim que é normal bloquear os centros de estudo e de trabalho, e impedir de estudar e de trabalhar os que querem fazê-lo?

O.B.: É normal que apoie os que bloqueiam os centros.

Zbeul: As acções dos Black Blocs são uma solução mais apropriadas que as “manifestações aborrecidas da CGT”?

O.B.: Estou mais do lado do Red Bloc. Por outro lado, gosto das manifestações e sou partidário da greve geral por tempo indeterminado.

GG: Que novidades há sobre uma verdadeira aliança de esquerda entre o NPA e a Frente de Esquerda para poder influir sobre o PS nos próximos anos?

O.B.: Propomos o reagrupamento de todas as forças anticapitalistas sobre bases unitárias e radicais, e com independência total em relação ao PS. O objectivo do jogo, para mim, não é virar um pouco a política do PS ou convertê-lo ao anticapitalismo, mas sim disputar ao PS a sua hegemonia sobre o resto da esquerda.

Há duas grandes orientações políticas na esquerda. Uma que se inscreve no marco da economia de mercado, e outra que quer sair dela. Estas duas orientações não são compatíveis num mesmo governo, mas as nossas forças podem somar-se para resistir à direita, como ocorre no caso das reformas.

Laurent F.: Senhor Besancenot, quando pensa reformar-se?

O.B.: Aos 60 e a 100%! Mas tem de saber, Laurent, que mesmo assim vou continuar a militar!

Maroux: E até onde pode chegar esta escalada?

O.B.: Até à vitória. As condições estão reunidas para que o movimento sobre as reformas ganhe. Não está escrito antecipadamente, e há numerosos obstáculos à nossa frente. Mas, objectivamente, o nosso campo, o do protesto, continua a ampliar-se, enquanto o outro campo se isola e fragiliza.

A remodelação governamental transforma-se em debandada. E diante de ministros que preparam o seu futuro, a rua pode conseguir uma vitória decisiva nesta luta de classes. Como dizia o Che, hasta la victoria siempre!


Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net


Os últimos protestos que tem ocorrido na França, mostram a força de seu povo, acostumado e enfrentar governos, através de grandes mobilizações populares, e certamente esta última, será mais uma que entrará para bela história de luta dos movimentos sociais franceses.

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