Sex, 01 de Abril de 2011 20:48
Anwar Kalil, da Africa News Agency, no Monitor Mercantil
Algumas vezes a vida (e a política) formulam perguntas difíceis e dilemas ainda mais difíceis. Um deste dilemas surgiu, há alguns anos, na Argélia. Depois de uma sangrenta guerra, durante a qual os fundamentalistas fizeram demonstração de sua selvageria, massacrando aldeias inteiras e assassinando de forma mais desumana as remanescentes mulheres e crianças, foram convocadas eleições gerais.
Vencedores das eleições parece que foram os fundamentalistas - ao que tudo indica, a maioria dos argenlinos votou sob o regime de terror. Foi quando o Governo da Argélia, com a aprovação unânime das potências ocidentais e, particularmente, da França, decidiu anular as eleições, assim como o resultado das urnas.
Foram poucos, muito poucos, os intelectuais franceses e de outros países do mundo que protestaram contra o fato. Um véu de silêncio cobriu o assunto. Todo o mundo ocidental, assim como o árabe, concordaram em que não poderia um país ser entregue às mãos de assassinos, particularmente, no momento em que encontrava-se em exacerbação mundial o mais parálogo e sangrento terrorismo. Mas a lição que jamais foi revelada claramente foi que, quando vidas humanas correm risco, as autoridades políticas deverão recuar.
Este ano, com o imbróglio da Líbia, os mesmos dilemas vieram à superfície. O mundo ocidental em peso - com os partidos da esquerda na linha de frente - sentiram-se alegres e felizes com as insurgências populares contra os semi-autoritários e semiditatoriais regimes da Tunísia, Egito e Iêmen. Não apareceu ninguém - com exceção do sátiro Berlusconi - para defender Mubarak.
O apoio dos manifestantes, assim como, a posterior adesão do exército, foram diretas, claras, absolutas. Dilemas neste caso não existiram. Ninguém pensou, que neste caso, os defenestrados presidentes haviam sido eleitos e que todos, até alguns dias antes, os consideravam representantes legais de seus países.
Interesses diversos
Ao contrário, quando pensou-se em ajudar a capengante revolução contra Kadafi, os dilemas ressurgiram. E, embora, todos sabem quem é na realidade o presidente líbio, apesar de todos reconhecerem o brilho paranóico em seus olhos, assim como todos sabem que sua vingança será terrível, a pergunta foi formulada: é correto alguém intervir aos assuntos internos de um Estado, utilizar sua força para virar a balança para um lado, mesmo que se este lado não é o lado do Direito?
Os homens que têm somente certezas impressionam. Mas não se deve invejá-los. Os teólogos e a maioria dos políticos pertencem a esta categoria de homens que podem e tomam decisões facilmente, isto é bom, aquilo ali é mau, e fim de conversa.
E, no caso da Líbia, porque os "bons" da questão são habitualmente os "maus" do cenário político internacional, as posições começam a diferenciar-se. Os argumentos conhecidos, mas entre muitos legais e aceitos, são: a sensibilidade ocidental tem relação com a permanente lógica imperialista da intervenção em um pequeno Estado, tem relação com o petróleo, tem relação (esta é a mais extremista colocação, mas também foi ouvida) com o fato de que o Kadafi é independente, e isto incomoda os ocidentais.
Tem relação, ainda, com as conjunturas políticas como, por exemplo, com a necessidade de Sarkozy de destacar-se como líder, em vista das eleições presidenciais na França, ano que vem.
Intervenções seletivas
Considero que poucos - muito poucos - dos leitores deste jornal tenham qualquer motivo para duvidar que tudo isso está vigorando, e o petróleo desempenha seu papel e que a agonia de Sarkozy - antes da cobrança de um pênalti - desempenha o seu.
Porém, são suficientes estas verdades para apagar a realidade de que na Líbia corre-se o risco de um massacre, com centenas de milhares de vítimas. Há alguns anos foram massacrados milhões de seres humanos em Ruanda, aqui, na África. Os EUA não quiseram intervir então. Massacres assim têm sido cometidos muitos no mundo - anotem um dos genocídios mais recentes, aquele de Camboja, em nome de um sonho comunista.
Ninguém interveio então, ninguém sequer quis intervir. Pode a humanidade sentir-se orgulhosa pelos milhões de vítimas inocentes de um louco que decidiu impor o "mais limpo comunismo" em seu país.
As situações não poderão ser preto/branco. (Porque, por outro lado, deve-se reconhecer que Merkel e Erdogan são muito sensíveis e, politicamente, impecáveis, considerando que respeitam o princípio de não intervenção aos assuntos internos de outros Estados...).
No grau em que a intervenção dos ocidentais a favor dos insurgentes não assume a dimensão de uma ocupação militar aberta como, por exemplo, no Iraque, e permanece em um nível de desgaste do ditador é - de fato - um ato humanitário. Por mais mal intencionado que seja.
Obviamente, as grandes perguntas permanecem. Até quando durará esta história? Qual será o amanhã da Líbia? O que acontecerá com o ditador? (Será que o mundo assistirá a mais um show de enforcamento como o de Saddam Hussein?) Como será evitada a dicotomia do país? Quão demócratas serão os sucessores do ditador?
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